UM PASSEIO POR DIAMANTINA

Por Alexandrina Rodrigues

Viajar pelo Brasil é incrível, interessante e desafiador! Especialmente se o objetivo é se deslumbrar com a natureza e conhecer novas visões, regionalismos ou para se encher de culturas vivas, antigas e algumas novas. Por falar em culturas diferentes e incríveis, Minas Gerais é ímpar em belezas naturais e curiosidades.

Conhecer Diamantina é uma amostra contundente dessas belezas de Minas. Andar pela cidade é como dar as mãos à natureza e prosseguir com toda a pureza que há na alma do ser humano. Claro que os olhos não conseguem alcançar tudo o que se espera. É preciso deixar as emoções em alerta e acreditar em tudo aquilo que a percepção captar.

O melhor mesmo é viajar de carro para Diamantina. Assim, se pode deixar o mundo urbano para trás e entrar com a alma aberta num outro mundo que parecia não existir, mas que se torna real e mutável a cada instante enquanto se caminha pela cidade e arredores.

Na chegada a Diamantina é possível observar rochas enormes e, de repente, entender o porquê do nome da cidade, pois a impressão que se tem é que há diamantes por todo lado, devido ao formato de muitas pedras. O cenário pedregoso é lindo. Cria, também, imagens de animais, buquês de flores gigantes e inimagináveis até então. São pedras de todos os tamanhos e formas: pontiagudas, longas e curtas.

Rochas à parte, o que parecia sonho, agora vai tomando uma progressão maior quando se inicia a caminhada pelas ruas da cidade, também de pedras, originárias do período de escravidão no Brasil. É algo que confunde nossa mente.

A cidade está localizada na região do alto do Jequitinhonha, emoldurada pela Serra dos Cristais. Dessa forma, é um sobe e desce sem igual por aquelas ruas calçadas de pedras. Enquanto isso, a cabeça fica embaralhada, não consegue imaginar quantas pessoas trabalharam, passaram, viveram e morreram por ali. Bate uma nostalgia forte. É impossível não sentir um peso, uma tristeza… Certamente, isso se deve à maldade com que foram tratados aqueles trabalhadores que tinham outra cor, outros costumes. Eram diferentes e por isso não eram aceitos numa sociedade que se julgava superior a tudo e a todos.

Há pousadas de todo o tipo pelo centro de Diamantina, mas escolher uma que se mantenha o mais original possível é sempre mais interessante, para cultivar o clima de relíquias que é percebido pelas ruas e casarões majestosos com portas e janela enormes, pinturas claras que ocupam o centro da cidade. Passear por esse lugar é como se a vida retornasse ao passado, sensações de angústia, curiosidade e ao mesmo tempo de cansaço, tomam conta do corpo e da mente.

Dessa forma, sempre que surgia uma oportunidade de conversa com habitantes, muitas perguntas eram feitas. Então, foram relatadas algumas histórias sobre personagens da cidade e localidades próximas, distritos de Diamantina.

Havia uma negra linda, chamada Chica da Silva, que morava no Arraial Tijuco (atual Diamantina), no Séc. XVIII que encantou o português, José Fernandes, um próspero comerciante de diamantes, que comprou e em seguida alforriou Chica da Silva. Viveram como casal por muitos anos e tiveram 13 filhos. Chica vivia como uma dama da sociedade mineira, vestia-se muito bem, tinha todo o conforto na casa em que morava, mas não poderia sair de Diamantina, pois seria capturada como escrava. Dessa forma, José Fernandes construiu uma grande cascata no quintal da casa onde moravam, para que a mulher pudesse sentir-se no clima europeu. Há muito mais sobre esta história; entretanto, os diamantinenses têm outras tantas para contar.

O dono da Pousada Relíquias de Minas, onde nos hospedamos, falou-nos sobre uma grande fábrica de tecidos construída em Biribiri, distrito de Diamantina. O nome BIRIBIRI é indígena e significa buraco fundo, pois a vila situa-se entre uma montanha e um curso d’água. A fábrica foi idealizada pelo então bispo de Diamantina, João Antônio Felício dos Santos e seus familiares que eram proprietários do local.

O bispo era o responsável por um orfanato que mantinha na Casa da Glória e as meninas que lá cresciam e não tinham trabalho, nem para onde irem, eram marginalizadas e sofriam preconceitos de toda a sociedade. Foi assim que o bispo idealizou uma vila completa, com casas, igreja, escola e trabalho para acolher as moças que não podiam continuar no orfanato, porque já não tinham idade para isso. Nesta vila, elas viviam, trabalhavam e formavam famílias.

Hoje, o local está quase inabitado, mas não perdeu a graça, a pureza e a magia que por lá habitam. Em contato com o local tem-se a sensação de que o tempo não passou, de que o misticismo do lugar persiste e contagia a todos que por ali passam. O povoado chegou a ter 1,2 mil moradores nos anos de 1950. As casas da vila são originais, todas brancas com janelas e portas azuis e, enquanto se caminha por esse espaço, há uma paz e uma clareza que transbordam e iluminam todos e tudo que lá existe. É possível passar uma temporada na vila, que oferece uma pousada e restaurantes, com comida típica mineira de qualidade.

Vila de Biribiri

Nos arredores do povoado há vários locais onde se pode refrescar o corpo e a alma nas águas correntes, resultados da construção de uma barragem para alimentar a tecelagem de fios nas quais trabalhavam as mulheres pobres do Vale do Jequitinhonha.

Não menos importante, criou-se o Parque Estadual de Biribiri, que abriga cachoeiras lindas, destinos imperdíveis no caminho de quem percorre os 12 km que separam Diamantina e a Vila de Biribiri.

O centro de Diamantina transpira, ofega e conversa com cada um de seus visitantes. Da praça central, Praça JK, tem-se uma visão espetacular de uma igreja e de um Cruzeiro, do outro lado da cidade. Trata-se do Cruzeiro da Serra. Após longas e estreitas curvas sinuosas chega-se nesse cruzeiro que revela uma vista maravilhosa das casas antigas e as longas ladeiras da cidade. Não se pode deixar de destacar as inúmeras igrejas que se sobressaem nessa vista.

O passadiço, ou Casa da Glória, é uma grande construção que chama a atenção numa das ruas de Diamantina. Ainda não existe precisão histórica de quando foi construída. A estimativa é de que foi erguida entre 1755 e 1800. O prédio, de curioso aspecto, já teve diferentes serventias: pertenceu à igreja e foi morada de bispos, funcionou como educandário feminino e orfanato, e também já fez parte da Universidade Federal de Minas Gerais. Hoje o local é sede do Instituto Casa da Glória (ICG) e oferece abrigo a estudantes para pesquisas de campo na área da geologia. As áreas fora dos alojamentos podem ser visitadas.

Na rua São Francisco, uma das grandes ladeiras da cidade, está a casa em que Juscelino Kubitschek passou toda a infância, antes de se tornar governador de Minas Gerais e, mais tarde, Presidente do Brasil. Infelizmente, a casa, que hoje é um museu, está fechada, com um aviso preso na porta no qual se explica o inexplicável: a Prefeitura da cidade não dispõe de recursos para manutenção e abertura da casa que é um bem patrimonial do estado.

Além da contemplação, a emoção também envolve o visitante em Diamantina, pois caminhar por lugares onde viveram escravos há tantos anos remete a sentimentos que não são comuns no dia a dia de quem vive em centros urbanos ou pequenas cidades, e não tem tempo para pensar na história de nosso país.

Próxima a Diamantina está a Gruta do Salitre, um lugar parco de informações, mas rico em beleza. Quando se entra no espaço que é permitido dessa gruta e se observa toda a natureza que ela abriga, é possível imaginar grandes comunidades vivendo naquele local. Ainda há muito o que se estudar sobre essa gruta e o que se pode ver são sombras do que lá existiu há séculos.

Continuando o passeio, surgiu um nome que remetia a um espetáculo surpreendente: Ponte do Acaba Mundo. Dois diamantinenses, ao serem questionados sobre esse nome, riram e disseram que não sabiam o porquê.

Curiosidade aumentada, rumo à Ponte do Acaba Mundo! Estradas estreitas e cheias de pedras soltas, rodeadas por rochas enormes, organizadas pela natureza, e algumas flores diferenciadas marcavam todo o espaço. A ponte, em si, não traz nada especial, pois era somente o local por onde eram escoados os minérios encontrados naquela região. Abaixo da ponte, observa-se o encontro das águas do Jequitinhonha e do Ribeirão Soberbo e buracos enormes nas pedras por onde a água passa. É uma visual que impressiona e sugere muitos pensamentos. É preciso sentar e olhar todo aquele cenário, ouvir o barulho do rio, os pássaros, o vento, sem pressa alguma, para perceber ou compreender o quanto insignificante o ser humano é diante da Natureza.

Somente, após deixar-se levar pelo vento, o azul-celeste, a água rápida do Jequitinhonha, surge o visual perfeito do “acaba mundo”. Tudo fica nítido. O mundo: água, terra, pedra, flora, e o ser humano de um lado e, do outro lado da ponte: nada, ou tudo. A paisagem que se iniciava e terminava diante do ser. A natureza fechava o mundo. E o ser, pequeno humano, que tem a ilusão de ser grande, não tem por onde caminhar, o mundo acabou… Atravessar a ponte do acaba mundo é sentir a pequenez do ser humano.

Diamantina, com certeza, traz muito mais e outras viagens deverão acontecer para continuar esta história.

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Nota dos autores do blog:

A estrada nos traz muitos presentes. Nela, aprendemos, conhecemos, degustamos, mergulhamos, caminhamos, vemos, vivemos. Mas, decerto, os maiores presentes são os encontros. E esse post vem de um desses encontros felizes que a estrada nos deu: Alexandrina, uma mulher de sorriso e horizontes igualmente largos, que faz da vida uma estrada… e, nessa estrada, vê o mundo com olhos de poesia.

O que temos não é um texto que descreve uma viagem, mas poesia em forma de escrito, que, com delicadeza, nos apresenta Diamantina (MG), com detalhes e sentimentos para muito além do óbvio.

E Alexandrina, além do presente do seu encontro, nos deu mais um: a permissão de publicar seu escrito aqui no blog. Muito obrigada por sua generosidade!

Gardênia e Doalcey

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* Este não é um post patrocinado. O espírito do blog é de narrar histórias e experiências, de forma que esse escrito reflete unicamente a opinião da autora.

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